As células protegem a qualidade do DNA mitocondrial por meio da seleção natural

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As células dos mamíferos evitam a acumulação gradual de mutações prejudiciais no ADN mitocondrial (mtDNA) – o genoma vital que alimenta cada célula – através de um processo surpreendentemente eficaz: a selecção natural ao nível microscópico. Pesquisadores do Karolinska Institutet descobriram como isso funciona, revelando uma conexão entre o número de cópias de mtDNA passadas de mãe para filho e a eficácia da eliminação de moléculas defeituosas. O estudo, publicado na Science Advances, explica porque é que a herança do mtDNA permanece estável apesar da sua rápida taxa de mutação e da transmissão materna exclusiva.

O problema da herança materna

Ao contrário do DNA nuclear, que se beneficia da recombinação e da herança dual-parental, o mtDNA é transmitido exclusivamente pela mãe. Isto torna-o especialmente vulnerável à acumulação irreversível de mutações ao longo de gerações. Sem um mecanismo para corrigir erros, o mtDNA poderia eventualmente sofrer um “colapso mutacional”, ameaçando a sobrevivência da espécie. A evolução, contudo, equipou as células com duas medidas de proteção: um gargalo genético e uma seleção purificadora.

O sistema de defesa em duas etapas

O gargalo genético é um processo estocástico em que apenas um subconjunto de todas as cópias do mtDNA na mãe é transmitido aos seus descendentes. Essa amostragem aleatória cria variação genética entre os indivíduos. A seleção purificadora elimina ativamente as moléculas de mtDNA mutadas à medida que o ovo se desenvolve. Até agora, a ligação entre estes dois processos e os mecanismos moleculares de seleção purificadora era desconhecida.

Gargalos menores, mtDNA mais saudável

Usando modelos de camundongos, os pesquisadores descobriram que menos cópias de mtDNA passadas de mãe para filho resultaram, na verdade, em cargas de mutação menores na geração seguinte. Um gargalo genético menor permite que a seleção purificadora funcione de forma mais eficaz, removendo o mtDNA defeituoso. Por outro lado, interromper a capacidade da célula de reciclar mitocôndrias danificadas através de autofagia prejudicada enfraqueceu esse processo de filtragem. Mutações prejudiciais acumularam-se e a qualidade do mtDNA diminuiu.

Autofagia: o reciclador celular

A autofagia – o processo em que as células se decompõem e reciclam componentes danificados – desempenha um papel crítico no controle de qualidade do mtDNA. Quando a autofagia é prejudicada, o mtDNA defeituoso se acumula porque a célula não consegue removê-lo com eficiência. Isto destaca a importância da “limpeza” celular na manutenção da integridade do mtDNA.

Estabilidade Evolutiva e Implicações de Doenças

“Nossos resultados mostram que o tamanho do gargalo mitocondrial determina a eficácia com que o DNA mitocondrial mutado pode ser removido durante a transmissão materna”, explica Nils-Göran Larsson, professor do Departamento de Bioquímica Médica e Biofísica do Karolinska Institutet. “Isso fornece uma explicação mecanicista de como a herança mitocondrial permanece estável ao longo do tempo evolutivo.”

Compreender esse processo tem importantes implicações biomédicas. Mutações no mtDNA estão ligadas a uma ampla gama de doenças, incluindo distúrbios mitocondriais, câncer, neurodegeneração, diabetes e envelhecimento. Ao descobrir a ligação entre a renovação mitocondrial, o tamanho do gargalo e a seleção, os investigadores têm agora uma visão mais clara de como as células mantêm as mitocôndrias saudáveis ​​– e onde este processo pode falhar na doença.

Potencial Terapêutico

“Ao descobrir a ligação entre a renovação mitocondrial, o tamanho do gargalo e a seleção, temos agora uma visão mais clara de como as células podem manter mitocôndrias saudáveis – e onde este processo pode falhar na doença”, diz Laura Kremer, primeira autora e atualmente investigadora na Universidade de Göttingen. As descobertas estabelecem uma estrutura para estudar como o controle de qualidade do mtDNA poderia ser melhorado terapeuticamente, oferecendo novas perspectivas para condições causadas pela instabilidade do genoma mitocondrial. A pesquisa sugere que manipular o tamanho do gargalo ou melhorar a autofagia podem ser estratégias potenciais para prevenir ou tratar doenças ligadas a mutações do mtDNA